O risco de misturar tudo
Misturar o caixa pessoal e o da empresa não gera apenas problemas de gestão de gastos e receitas para ambas as partes. Pode gerar também problemas legais, segundo Mota. “Se não há a divisão dos caixas, caso a empresa vá à falência, pode haver o que chamamos de confusão patrimonial. Nesse caso, o sócio passa a responder com seus bens pessoais por dívidas da empresa”, alerta.
Do ponto de vista tributário, o impacto pode ser grave caso o faturamento ultrapasse o limite anual de R$ 81 mil. “Se isso acontecer, o MEI pode ser desenquadrado e acabar tendo que migrar para outro regime, com carga tributária mais alta”, explica Camilla Magrini, economista e planejadora financeira CFP®.
Conta separada: primeiro passo para a organização
Ter uma conta bancária separada para o CNPJ é considerado o primeiro e mais importante passo para organizar as finanças. “Com isso, todos os pagamentos do negócio são feitos por essa conta e o que for transferido para a conta pessoal é o pró-labore. Isso já dá clareza sobre o que é do negócio e o que é da vida pessoal”, orienta Camilla.
Mota reforça que, mesmo que o MEI opte por não abrir uma conta jurídica, é essencial registrar detalhadamente todas as transações. “Pode ser em planilha de Excel ou até no papel de pão, como os antigos empreendedores faziam. O importante é anotar tudo. Sem informação, não há controle. E, sem controle, não há gestão.”
Enio cita uma ferramenta desenvolvida pelo Sebrae para ajudar os pequenos negócios na organização das suas finanças e até na obtenção de empréstimos: Planejadora Sebrae.
“A ferramenta possibilita uma análise dos indicadores financeiros dos MEIs, microempresas e empresas de pequeno porte e busca promover sustentabilidade e crescimento nos pequenos negócios por meio de planejamento financeiro estratégico”, comenta.
Como definir o pró-labore sem prejudicar o negócio?
Determinar quanto se pode retirar mensalmente da empresa requer planejamento. “É importante que o empreendedor tenha uma projeção de fluxo de caixa e conheça a sazonalidade do negócio. Assim, ele evita se descapitalizar em períodos de baixa”, afirma Camilla.
Mota explica que, na prática, o MEI pode calcular o lucro considerando os percentuais estabelecidos por lei: 32% do faturamento para serviços e 8% para comércio e indústria. “Descontando o imposto e outras despesas, o que sobra pode ser distribuído como lucro. Mas o ideal é guardar pelo menos 10% do faturamento mensal como reserva”, sugere.
O MEI paga uma “mensalidade” que engloba um percentual para impostos e tributos como INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), dependendo da atividade exercida.
Neste ano, os valores vão de R$ 76,90 para empresas do comércio ou indústria (R$ 75,90 de INSS + R$ 1 de ICMS) a R$ 80,90 para prestação de serviços (R$ 75,90 de INSS + R$ 5 de ISS).
Não ter definido um pró-labore ou um “salário” para o empresário, especialmente para aquele que não tem uma educação financeira anterior, pode, no primeiro bom resultado, bater a sensação do “eu mereço”, que faz muitos empreendedores gastarem o que ganham sem controle, comenta Enio.
“Essa situação costuma ser um grande sabotador, por isso precisamos ter muito cuidado com a saúde emocional e a maneira como lidamos com o dinheiro. Definir o valor que irá receber faz com que possíveis excedentes possam ser investidos na operação. O importante é ter indicadores que possam apontar qual o melhor valor para o pró-labore que se encaixa nas finanças do pequeno negócio.”
A importância de controles financeiros
Independentemente do tamanho do negócio, é essencial que se mantenham registros organizados. “O formato de controle pode ser o que funcionar melhor para o empreendedor: planilha, app, caderno. Mas precisa existir. Caso contrário, ele não saberá se está vivendo acima do que pode ou se o negócio não está lucrando”, diz Camilla.
Essa também é a orientação de Enio: “o empreendedor precisa entender quanto entra e quanto sai, e isso só é possível com registros. É dessa forma que ele poderá crescer de maneira sustentável”.
Trabalha de casa? Cuidado com o uso de recursos pessoais
Para quem atua de casa e usa luz, internet e outros recursos da residência no negócio, o alerta é ainda mais importante. “Mesmo nesses casos, é fundamental separar e controlar o que é gasto para o trabalho e o que é gasto pessoal. O importante é ser um bom administrador”, diz Mota.
Contador e planejamento: aliados do MEI
Outra recomendação unânime entre os especialistas é buscar ajuda profissional. “É recomendável — quase obrigatório — que o MEI tenha um contador, especialmente para não ultrapassar o limite de faturamento e para recolher corretamente o DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional)”, afirma Camilla.
Segundo ela, mesmo para os chamados “PJs por necessidade”, aqueles que atuam como MEI em vínculos que deveriam ser CLT, o ideal é organizar as finanças com clareza. “Ainda que esse profissional não se veja como empreendedor, ele tem obrigações como empresa e precisa se organizar.”
Dicas do Sebrae para um planejamento financeiro eficiente:
Crie uma planilha: essa dica serve para a vida pessoal e da empresa. É fundamental ter domínio sobre as receitas, as despesas e o fluxo de caixa para identificar áreas de melhoria e oportunidades de crescimento.
Mapeie informações: dados financeiros relevantes, como histórico de vendas, custos fixos e variáveis, pagamentos a fornecedores e recebimentos de clientes, ajudam na tomada de decisões, a identificar padrões sazonais ou tendências de crescimento e declínio nas receitas e despesas.
Projete vendas futuras: estime os recebimentos e pagamentos esperados para cada período e desenvolva diferentes cenários financeiros com base em diferentes premissas e variáveis, considerando variações nas vendas, custos e condições de mercado.
Avalie os resultados: veja o desempenho em cada cenário e faça ajustes nas projeções conforme necessário para garantir a viabilidade financeira da empresa.
Fonte: Diário do Comércio